sexta-feira, 27 de março de 2009

Nós e os Carros - Parte I


A pergunta é de resposta simples, previsível e consensual:

Qual é no universo conhecido do Homem, o nosso maior motivo de adoração? Aquilo a que dedicamos mais atenção na hora da escolha, tratamos com mais estima durante toda a vida, e que recordamos com a mesma paixão passados 20 ou 30 anos depois do primeiro encontro?

Se respondeu “a mulher” fique a saber que não acertou, mas leva para casa o prémio de consolação porque essa deveria ser de facto a resposta certa.

Deveria. Conjugação do verbo “dever” na 3ª pessoa do singular, no futuro do pretérito indicativo... Deveriaaaaa!


3. Nós e os Carros.
Lembro-me perfeitamente do meu primeiro carro. Um Citröen Visa Platine de 1984 que tinha pertencido ao meu pai, e que em 1991 veio parar às minhas mãos com pouquíssimos kms.
Era um carro lindíssimo e muito raro na altura.

Tratava-se duma série especial limitada a 2000 unidades no mundo inteiro. Equipada com estofos num tecido xadrez antracite, este modelo contava ainda com uma pintura exclusiva num cinzento escuro metalizado, spoiller traseiro, rádio com K7 e jantes de liga leve. Um mimo portanto.

E foi com este carro que vivi a minha adolescência, com amigos que ficaram e outros que partiram.

Lembro-me de passar tardes inteiras em casa a gravar as minhas k7’s Extra-Ferro da Maxwell, e preparar meticulosamente a banda sonora de cada viagem, por mais curta que fosse. E não era só uma k7 com música. Era a minha música para ouvir no meu carro.

“Loosing my Religion”, dos R.E.M. era um dos meus temas favoritos e quase sempre tinha direito a repetição no lado B da k7, juntamente com o “unbelievable” dos EMF, o vibrante “I’ve been thinking about you” dos London Beat, o “Joyride” dos Roxette, e o “Cream” do Prince.

Para alturas especiais tinha uma k7 humm... diferente. Lembro-me do sugestivo rótulo escrito a vermelho usar só em caso de emergência, uma completa geekice da minha parte confesso, aprimorada com temas de fazer chorar as pedras da calçada como “Everything I do” do Bryan Adams, ou o “Rush Rush” da Paula Abdul.

Escusado será dizer que nunca me safei à conta dessa k7, mas dava-me ânimo saber que o meu carro estava preparado para qualquer eventualidade.

Esta foi a banda sonora de 1991, o meu primeiro ano de carta com o Visa Platine, por sinal o meu primeiro carro.

Vista duma forma desapaixonada, a relação de cumplicidade que um homem com cão consegue desenvolver com o seu carro é no mínimo absurda, especialmente para as mulheres com gato acostumadas que estão a entenderem o carro apenas como um meio de transporte, capaz de levá-las do ponto A ao ponto B o mais depressa possível.

Com os homens isso não é assim.

Para nós homens o carro é um novo membro da família, e é nosso por direito! Aliás, o carro está para os homens com gato como o poder régio estava para as monarquias: é um direito consagrado pela Igreja, e quem disser o contrário pode sempre ir aquecer os pezinhos na fogueira mais próxima.

Pessoalmente a ideia faz-me alguma confusão, mas a verdade é que o carro continua a ser um feudo dos homens com cão.
Quantas vezes deparamo-nos com a imagem do “Xô Silva” a passear com a sua esposa ao lado, e com os pirralhos lá atrás?
Aos Domingos então, uiii! Lá vai o “Xô Silva” aos comandos do “seu” carro, de braço esticado e de ar emproado, a ocupar duas faixas de rodagem, e a andar bem devagarinhooo como um caracol ferido de morte a tentar subir um eucalípto.

Confessem, assim de repente não dá uma certa vontade de arranjar um rolo compressor?

Depois há aqueles que fazem tudo isto mas com um bónus delicioso: ligam o sistema de navegação para a habitual voltinha na avenida, talvez com receio de se perderem a caminho do café. Rolo compressor, parte II...

Para a maior parte dos homens com cão conduzir um carro é um exercício de poder. Reforça a nossa condição de machos, e se há milhares de anos atrás o tipo com a moca maior ditava a sua lei, agora a hierarquia social é definida em função da marca, do tamanho e do preço do carro.

Um exemplo concreto: um homem com cão que se exiba em plena avenida numa tarde domingueira ao volante do seu Mercedes Classe E impecavelmente limpo, não está só a passear. Está a marcar território como se andasse a fazer xixi atrás de cada árvore, e quanto mais caro for o carro maior é o rasto.

Lá do alto do seu trono este senhor da estrada olha com desdém para os seus semelhantes. Pode até ser um autêntico coninhas fora do carro, mas atrás do volante o comando é meo, e não há homem e carro que lhe meta medo.

A este propósito, foi recentemente tornada pública uma investigação levada a cabo pela Universidade de Wales, em Cardiff, no Reino Unido.
Os investigadores concluiram que homens com carros mais caros têm mais possibilidades de seduzir uma mulher. A ideia pode parecer absurda mas o método utilizado foi até bastante simples.

Neste estudo um grupo indiferenciado de mulheres foi confrontado com duas fotografias. Na primeira um homem posava junto a um Bentley Continental, ao passo que na segunda foto outro homem posava junto a um Ford Fiesta.

Depois foi pedido a cada mulher que descrevesse os dois homens, e os resultados foram conclusivos. A maior parte das mulheres avaliou com maior precisão o homem que posava junto do Bentley.

Este estudo foi publicado na edição de Março do Jornal Britânico de Psicologia, e no mesmo estudo o pesquisador Michael Dunn concluiu que os homens testados não repararam nos carros (Bentley e Ford Fiesta), mas sim nos traços físicos das mulheres.

O endeusamento de toda esta questão em redor dos carros pode parecer excessiva, mas a verdade é que estudos como este não auguram nada de bom para homens com cão que andem por aí com um Ford Fiesta. Então o que dizer de tipos como eu com um Fiat Uno de 1992...

É por essa razão que escolher um carro novo é um processo tão complicado. Perdemos dias a discutir a cor dos frisos, o padrão do tecido dos bancos, a cor da carroceria (que é quase sempre cinza metalizado), devoramos informação e comparamos resultados nas publicações especializadas, não porque isso faça alguma diferença mas porque temos de estar preparados para explicar porque razão o carro de fulano tal é pior que o nosso.

E quando no calor da luta faltarem os argumentos, temos sempre a nossa arma secreta: as minhas jantes são muito mais bonitas que as tuas. O carro pode ser uma merdinha, mas que ninguém se atreva a falar mal das nossas jantes de liga leve!

Pior ainda que as jantes é a paranóia colectiva em redor dos faróis de nevoeiro, num país que raramente tem nevoeiro.
Pergunto-me se isto não serão traumas de 1578 quando o D. Sebastião desapareceu no meio do nevoeiro:

Escudeiro 1: Mennn... O Sebas desapareceu no meio da névoa!
Escudeiro 2: Altameeeeentee! Lá se foi a segunda Dinastia meeennn!
Escudeiro 1: Mennn... Deviamos ter montado faróis de nevoeiro no cavalo do Rei!

Tenho quase a certeza que foi nessa altura que começou a discutir-se esta problemática dos faróis de nevoeiro em Portugal.

Com ou sem faróis de nevoeiro, com ou sem jantes de liga leve, um carro dum gajo é sempre o “seu” carro, e é com ele que vamos para a estrada enfrentar todos os outros homens com cão cá do burgo. A competição é feroz e o maior vence quase sempre.

Sofremos duma obsessão colectiva em redor do tamanho e da quantidade.
Mais é sempre melhor. Um exemplo concreto:

Indeciso entre dois restaurantes – o restaurante A com a esplanada vazia e o restaurante B com fila de espera e esplanada cheia -, o hábil homem com cão prefere ir para a fila e esperar 20 minutos por uma mesa no restaurante B, mais 20 minutos para ser atendido e ainda mais 40 minutos para ser mal servido, a sentar-se sozinho na esplanada vazia do restaurante A, mesmo que esse restaurante tenha uma estrela do Guia Michelin.

E porquê? “Mais é sempre melhor”, e se ali estava cheio é porque a comida é boa.

Nos carros o processo é idêntido. O “sonho” do português médio é ter um BMW ou um AUDI familiares, e de preferência cinza metalizados. Esta é uma combinação particularmente atractiva para o homem com cão português, juntar a cor mais escolhida em Portugal com os modelos que mais vendem no nosso país.
Mais é sempre melhor, mesmo quando tudo parece indicar que afinal... ergh.. não é!

Amigo 1: Ehpa já viste o anúncio do novo OPEL INSIGNIA?
Amigo 2: ‘Tá lá calado! Já vi! Está espectacular! E diz que o carro é bom pah!
Amigo 1: Pois deve ser. Foi carro do ano em 2009.
Amigo 2: Pois, diz que foi.
Amigo 1: E diz que teve 5 estrelas lá nos testes de segurança da NACAP, ou da CNAP ou lá o que é...

(EURO NCAP: European New Car Assessment Programme)

Amigo 2: É diz que sim...
Amigo 1: 5 estrelas é muita fruta pah.
Amigo 2: Pois é. É mais que 4!
Amigo 1: À vontade!

(pausa)

Amigo 1: Ehpa e diz que é 10.000€ mais barato que um BM ou um AUDI!
Amigo 2: Por acaso o carrinho está espectacular...
Amigo 1: Já viste o equipamento daquilo?
Amigo 2: Ehpa diz que vem com tudo não é?
Amigo 1: Tem até uma cena que lê a estrada pah!
Amigo 2: Pois é! Mas como é que aquilo funciona?!
Amigo 1: Ehpa então como é que funciona? É uma cena que consegue ler a estrada!
Amigo 2: Fogo! Espectacular!
(pausa)

Amigo 1: E tu já decidiste que carro é que “vais buscar” afinal?
Amigo 2: Já está encomendado pah!
Amigo 1: Naaaaa?!
Amigo 2: Yaaa! “Fui buscar” um AUDI A4 de 2007, com 80.000 kms, cinza metalizado com umas jantes de liga leve e uns faróis de nevoeiro que até te passas puto!

Perante esta ordem estupidológica reinante, não consigo deixar de pensar no trabalho e nos milhões de dólares que devem ter custado à General Motors construir este novo carro, aclamado pela crítica em todo o mundo menos pelos portugueses.

Aqui não interessa para nada se o carro do ano é um OPEL, ou se o C5 bateu aos pontos o A4 ou o BMW 320, por ser melhor, mais bem equipado, por ter a maior garantia e por serem ambos 10.000€ mais baratos que os modelos alemães.

How can that be?” perguntam os lívidos norte-americanos da GM, estarrecidos pela indiferença do mercado nacional perante o seu novo produto.

Bem, há um factor concorrencial que a GM certamente não observou no estudo de mercado global que antecedeu a construção do novo OPEL. É uma coisa só nossa, e talvez por isso tenha passado despercebida.

Nós adoramos medir pilas em plena rodovia, e a verdade é que um OPEL está para o mundo automóvel como 12 cms estão para uma noite de núpcias. Não se nota no ir e vir.

A ideia pode parecer redutora mas nós homens medimos tudo com a fita métrica, e nos carros como no sexo, o maior, o mais potente, o mais bem equipado e performante vence quase sempre por knock out.

E é a pensar nessa guerra da “minha pila é maior que a tua” que passamos os fins-de-semana a lavar o carrinho à mão para não ficar riscado, e passamos a camurça para o calcário da água não manchar a pintura.

É por isso também que andamos sempre com aqueles toalhetes de limpeza para hidratar o tabelier, e sacudimos os tapetes gentilmente para não coçar o pêlo.

No fundo, é por isso que fazemos dum carro um assunto tão sério, e, ou muito me engano, ou vai ser também por isso que a OPEL não vai vender muitos INSIGNIAS em Portugal.

8 comentários:

  1. Felizmente que me considero uma mulher onde o carro apenas serve para me levar do sito A ao sitio B,logo olhar para um homem cao, ou "procura-lo", pelo carro que tem está fora dos meus interesses.
    De que adianta "procurar" ou "escolher" um desses homens com cao com um desses carros, das duas uma,ou é um homem com todas as qualidades que uma mulher com gato procura, e neste caso o mesmo é assediado pelas mulheres com gato, ou entao é um homem com cao que precisa de arranjar uma mulher mas quando abre a boca o primeiro pensamento é "abre antes a carteira que ficas bem mais sexy" kkkkk
    Por isso mais vale um homem com cao que me saiba amar independentemente do carro que possua.

    Beijocas

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  2. Confesso que adorei esta entrada e fica a saber que adoro o novo Ford Fiesta, aliás... até estou a pensar fazer a troca do meu carrito do qual gosto mt tb, mas já está com uns bons km em cima, por um Ford Fiesta da campanha ECO (passo a publicidade) :-)

    Mulheres que escolhem um homem pelo carro que conduz não estão propriamente interessadas no homem e sim na carteira deste.

    Assumo-me uma apaixonada por carros familiares clássicos, mas não vou além daquilo que posso ter e neste momento tv seja mm o FORD FIESTA (sem homem com cão) :-P... um dia quem sabe chegarei lá... sonhar nunca fez mal a ninguém.

    Ass.: Anónima sonhadora

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  3. 1991... enaaaaaaaaaaaaaa... faltou aí o "Ice Ice Baby" e os Milly Vanilly nessa K7... lembro-me bem dessa marca! ainda tenho algumas guardadas! :D
    que tempos! :D

    quanto aos carros... não comento. gostei mesmo foi da primeira parte!
    ;)

    bjito*

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  4. Ano de grande colheita...REM e Nirvana. Nunca mais me vou esquecer da 1ª vez que ouvi "Smells like teen spirit", que foi precisamente ao volante do meu carro, e de ter ficado completamente fora de mim a pensar que som era aquele, que ia contra a corrente do que até então se ouvia, e ainda por cima não ter conseguido apanhar o nome da banda...bem, esta história não tem nada a ver com o tema do post, mas por ela dá para perceber que mais facilmente descarto um homem pelos seus gostos musicais, do que pela sua viatura!!:))
    ASS:mulhercomcao

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  5. E Viva o Ford Fiesta, ou melhor o R5 é que é... Não teria o Ford se não se tivesse desintegrado a supensão e demais tralha no interior do R5 e 81, q aquele motor ainda andava nas horas e bastava um alicate umas chaves e estava a andar, para além de que tirando o facto de ter q levar adictivo na 95, não gastava quase nada.
    O veiculo serve de facto para nos por do ponto A ao B, mas se der para não avariar no caminho melhor ainda hehe
    Mas o Fiesta de 98 q substitui o mitico R Five, que tive, serve para o gasto, e também tem a porcaria das jantes xpto's q ñ são de origem, e só servem para q os pneus sejam carissimos... Gaja q é gaja não liga a isso, e tenho q concordar q as gajas q reparam nos carros dos homens com cão, e por isso lhes dão "pontos", estão mm é de olho na carteira. Só um aviso: "Comprar é fácil, pagar é q é uma chatisse...", vejam bem no q apostam, pois provávelmetne o cavalheiro do fiesta do fiat ou outro qq mais baratinho tem carro e está pago, é dele, os outros se calhar nem por isso... reparem bem se os senhores do Frac não andam atrás... hehehe

    Sempre em grande este... Bjs

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  6. Sei o que sentiste com o teu “citroen visa platine de 1984” aconteceu-me o mesmo bem a pouco tempo com o meu Opel Corsa...
    Foi o meu 1º e unico carro, tinhamos uma relação muito próxima.
    Nunca me deixou ficar mal, desde que o comprei novinho em 1997 até Março 2009 NUNCA teve qualquer avaria apesar dos seus 300mil km.
    Era um carro que tinha a mania que era jipe, era conhecido aqui por toda a gente,passava em sitios onde nem todos os jipes ousavam chegar looool.
    O mês passado tive de o mandar para o “abate” os anos e kms já eram muito, foi uma despedida sentida , dei por mim a “despedir-me” dele com uma longa conversa finalizando com um beijinho no volante.

    Não concordo em nada com essa tua historia do FORD FIESTA pois comprei um e acho que o novo Ford fiesta está muito a frente dos utilitarios em vigor.
    Desde do designer até ao equipamento interior .
    Apaixonei-me pelo meu Fiesta a primeira vez que o vi, é lindoooooooooooooo.
    Não é o Fiesta normal o Trend mas sim o FORD FIESTA 1.4 TDCi Titanium 3 portas cor squezzy metalizado (uma especie de verde amarelado)com vidros escurecidos,jantes liga leve16,spoiler traseiro,alarme de perímetro,Esp(controlo electronico de estabilidade,ABS e afins),sistema Bluetooth c/controlo de voz enfim uma serie de mariquices que me levaram a pagar 20.170,00euritos no total.
    I LOVE MY FIESTA!!!!!!!!!!!!!!!

    Célia N

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  7. O meu Yaris...bem sei k é cinza, tem 4 rodas, liga leve acho k nao...nem tampoes k ja cairam e o pai diz k nao vale pena por outros pk se zangam com os passeios :D resumindo coloco gasolina e qd o pai diz: Nao é preciso ir fazer revisao, leva la o carro ao Zé (mecanico dos carros da familia)!!!

    Eu gosto de carros k...andem e me levem para o sitio k kero, k nao furem pneus e se possivel k andem a agua...

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  8. Texto brilhante!
    Homem português me confesso: estou à espera que chegue o meu novo carro, encomendado há um mês. Imaginem que é cinza metalizado! E tem faróis de nevoeiro! E tem jantes de liga leve! Mas, pasmem: não é BMW nem AUDI. É mesmo um INSÍGNIA!!
    E pelo que tenho visto aí pelas ruas do nosso país, serei dos poucos com este Opel. Bem, só espero que a minha noiva não desdenhe os meus 12 centímetros...

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