sexta-feira, 17 de julho de 2009

Caglota, a segueia

16 de Julho. Chegou ao fim a primeira etapa do desenvolvimento académico do meu filho. Hoje cumpriu o seu primeiro objectivo, e com mérito: terminou a pré-primária.

Bem sei que a efeméride é de importância relativa para quem está de fora, mas para mim, um confesso pai babádo, hoje o Martim consolidou o primeiro alicerce daquilo que virá a ser enquanto homem, anos mais tarde.

A data foi devidamente assinalada com uma festa de finalistas no anfiteatro da escolinha.

Tudo corria dentro da normalidade quando o animador de serviço anunciou uma peça de teatro chamada Carlota, a sereia. Ajeitei-me um pouco melhor na cadeira – porque estas coisas dos miudos demoram sempre o seu tempo -, e fez-se silêncio na sala.

Três ou quatro minutos depois começo a ouvir a voz da narradora.

Caglota, a segueia..

Susti a respiração por breves instantes porque pareceu-me ter ouvido mal..

Ega uma vez uma segueia chamada Caglota..

Hummm.. Não, não ouvi mal. A narradora trocava os erres pelos guês. Será possível que ninguém tenha dado por isso no ensaio da peça? Aparentemente não porque a coisa continuou no mesmo guegisto, desculpem, registo.

Caglota vivia sozinha no mag, e estava tguiste pogque não tinha nenhum amigo paga bguincague..

Procuro mudar novamente de posição. Avizinha-se uma crise de urticária fulminante.

Um dia Caglota conheceu um pescadogue chamado Jeguemias..

Jeremias?! Mas será que não havia nenhum texto com mais “erres”?!

Apeguecebendo-se que Caglota estava tguiste, Jeguemias pegguntou a caglota se ela não queguia bguincague no bagco dele..

A nagadôga continuou neste registo durante toda a peça, o que naturalmente deu asas à minha imaginação prodigiosa.

Por exemplo, como seria viver um amor com uma pessoa assim? Sempre ouvi dizer que o amor não se procura, encontra-se. Então e se a senhoga dos guês me encontrasse? Como seria viver apaixonado por uma pessoa assim?

Teguêsa: Queguido, passas-me o entguecosto pogue favogue?

Eu: O entrecosto linda?

Teguêsa: Sim, o entguecosto..

Eu: Oh Teresa, diz comigo vá.. Entree...

Teguêsa: Entgueeee..

Eu: (... suspiro ...)

Teguêsa: Quegues mais sumo de laganja amogue?

Ahhhhhhhhhhhh! Não dá! Eu não sei se existem muitas mulheres com gato que troquem os erres pelos guês, mas se existem, essas à partida deixam de fazer parte da solução.

Este episodio insólito fez-me lembrar outros incidentes do género, por entre os muitos que vão decorando o meu álbum particular dedicado a encontros imediatos de 3º grau.

Assalta-me à memória um já antigo, com uma namorada do meu período pós-adolescente. Chamava-se Natacha e depois de algum tempo de troca de olhares e muito flirt, as coisas aqueceram numa saudosa noite de verão na Discoteca Seagull. Saudosa pela discoteca entenda-se, que explodiu em 1998 e com ela as recordações duma geração inteira, vaporizadas em segundos numa enorme bola de fogo.

Eu e a Natacha prosseguimos com o nosso affair, e pouco tempo depois calhou irmos até uma panificadora (ainda) muito afamada na zona, popularmente conhecida como bolos quentes. Provavelmente porque também vendem bolos, e porque estão quentes. Humm..

A Natacha teve então a infeliz ideia de pedir um palmier recheado. Infeliz porque entretanto começou a falar, do quê não me lembro bem mas lembro-me claramente de ver o palmier a revolver-se na boca dela dum lado para o outro. Blheeerk..

A história da Natacha terminou mais ou menos nesse momento, e durou pouco mais que o tempo de vida dum palmier.

O lado positivo da história: eu como de boca fechada, e não consigo afeiçoar-me a pessoas que comem de boca aberta. É um princípio elementar da educação.

O lado negativo da história: quando vou beber café com alguém tem de ser um café e um bolinho, não vá afeiçoar-me depressa demais à pessoa e ao bolinho.

Este episódio já tem uns aninhos largos, mas outro bastante mais recente promete ultrapassar os limites dos insólitos Yorn, onde tudo pode acontecer.

Conheci a Sofia pela net. Uma mulher moderna, culta, muito elegante, cuidada, e embora sofresse duma crise de auto-estima agudizada por uma relação recente menos conseguida, era uma pessoa que mantinha as suas prioridades bem presentes.

As coisas foram acontecendo de forma natural e numa certa ocasião aceitei o convite para um jantar chez-Sophie.

O facto de ser o primeiro jantar a sós conferia alguma formalidade ao acontecimento, que a própria Sofia nunca contrariou. Seria portanto um alegado – gosto muito desta palavra porque dá imenso jeito e alegadamente dá para usar em qualquer circunstância – jantar romântico.

Dizem os especialistas que 45% da primeira imagem que construimos de alguém vem apenas daquilo que conseguimos captar com os olhos. Ora, os 45% dessa primeira imagem foram dizimados por duas pantufas gigantes em forma de leão com pêlos até aos joelhos, e um deprimente robe numa côr indefinida entre o lilás e o violeta.

Jantamos bacalhau com natas, e a as pantufas eram de tal forma desproporcionadas que a ideia de colocar uma tijelinha no chão para alimentar as duas feras, na altura pareceu-me fazer todo o sentido.

Não me recordo do que falamos. Confesso que entrei naquele estado Charlie Brown em que já não ouvimos mais nada, só os monosílabos da professora uô uuô.. uô uô uô..

Ali estava eu aprumado com rigor e carinho, a dar o melhor de mim para duas feras de pêlo farfalhudo ao melhor estilo dos marretas, enrolados num robe que podia ter saído do guarda-roupa da minha falecida avó.

Escusado será dizer que as pantufas tiveram o mesmo desfecho que o palmier.

Posto isto pergunto-me, caramba, será assim tão difícil encontrar a peça que falta?

O palmier, as pantufas, os guês, e todos os epifenómenos ao melhor estilo da Quinta Dimensão que foram acontecendo comigo até aqui, pergunto-me, será que nesta história não serei eu o visitante do espaço?

Se calhar estacionei a minha nave espacial em 2ª fila numa qualquer rua de Lisboa, e foi rebocada pelo pessoal da EMEL. É isso.

Começo a questionar-me se toda esta história dos erres pelos guês não será no fundo uma grande metáfora da minha vida recente. Uma epifânia iluminada na forma duma narradora disléxica!

E se for eu o elemento estranho no meio de tudo isto? E se for eu o érre que não se adapta num mundo de guês?

Eu: Peço desculpa, mas têm horas que me digam?

Senhoga 1: São quatgo e tguinta e tguês..

Eu: Ah! Obrigado!

...

Senhoga 2: Guepagaste? Este tgoca os “guês” pelos “erres”..

Senhoga 1: Guepaguei! Que cgomo! (risos)

9 comentários:

  1. Penso que todos temos oportunidade de melhorar e aprender...e devemos dar oportunidades às pessoas.

    Eu digo isso porque: como mae babada que sou (tal como tu) o meu filho trocava os "êsses" pelos "xis", ou seja aplicava da seguinte maneira:

    P - Como te chamas meu menino??
    Gu- Xou o Gonxalo
    P - Gostas de jogar à bola?
    Gu- Xim

    Isto acontecia até ao final do ano lectivo do 1º ano. Agora ele fala "normal" e até aplica uma palavras bastante evoluidas para a idade e correntacmente.
    Bem, com isto era só para explicar que às vezes as pessoas só precisam de tempo para crescer. Umas demoram mais tempo que outras, talvez.
    Comer de boca aberta realmente é um absurdo e também faz parte da lista de "NAO PERDOAR", agora as pantufas, talvez deva dar mais oportunidades às pessoas e olhar além do obvio. Provavelmente sentiu-se demasiado à vontade contigo, o que obviamente foi um erro da parte dela. Ela deve ter pensado, mas afinal o que correu mal, eu até o convidei a "entrar" na minha zona de conforto...

    Ainda bem que há os "êgues" e os "êrres" ou este mundo seria muito monótono!!! :D

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  2. Será assim tão dificil encontrar a peça que falta?
    O amor é a capacidade de se unir ao outro, de se entregar...
    Este só faz sentido quando duas pessoas se predispõem a juntar os seus anseios, desejos,medos,defeitos, alegrias enfim partilhar uma vida.
    O verdadeiro amor surge quando conseguimos falar sobre os nossos medos e dúvidas.
    Na paixão não existe dúvida nem receio no amor é exatamente o oposto.
    O amor não é fácil, exige muito até tolerar pantufas com ar duvidoso e robes de cores manhosas...
    Finalizo com a resposta a pergunta do inicio:
    Não é difícil desde que realmente estejamos predispostos a tal.
    Em relação ao palmier não resisto aqueles de recheio branco embora sejam uma verdadeira bomba calórica mas sempre comidos de boquinha fechada não vá para aí traumatizar alguém :)

    Célia N

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  3. Bem... fartei-me de rir com este texto, realmente é complicado confraternizar com esses “guês” todos, mas é mesmo assim, o amor acontece não se escolhe. Não podes estar atento aos defeitos, tu também os tens e sabes quais são?! Pois é, se calhar alguém já te "pegou" com esses inúmeros defeitos e até gostou de ti mesmo assim :-). Numa relação as palavras fundamentais são AMOR, CONFIANÇA, TOLERÂNCIA, CEDÊNCIA, e neste pacote é claro que também estão incluídos os defeitos, faz parte, temos é que saber olhar para eles de outra forma, somos todos diferentes. O que para “ti” é o lado positivo da “coisa”, para “mim” pode ser o lado negativo. Mas é aí mesmo que está a graça. Não procures a perfeição, ela não existe mesmo e não vamos, à partida, excluir alguém do nosso dia-a-dia porque essa pessoa tem algo que não nos agrada, quem sabe as qualidades não superam isso tudo!!!!???

    kiss kiss

    Anónima sonhadora

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  4. Loool, fartei-me de rir com este texto. Já agora parabéns para o Martim e pais babados

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  5. Bemmmmmmmm..este ta' demais..esmeraste-te..
    Mas ate' apOstO k em x de te Ofereceres p jantar na casa dela e, prOvavelmente', ate' teres cOzinhadO, se a tivexes cOnvidadO p um jantarito numa tasca dakelas maravilhOsas, digO eu, ela naO ia de pantufas..certO? Talvez tivexe sidO perfeitO, kem sabe? Talvez a hOra de veres as pantufas naO tivexe xegadO ainda.. E axim qd as vixes ja Olhavas p elas c OutrOs OlhOs.. NaO sOu ningue'm p julgar, pOis parece k sOfres dO msm mal k eu.. COmpletamente dependentes da nOxa independencia..
    Parabens, gOstO de te ler, apesar das diferenças k, neste casO, naO nOs separaram..naO deixaram fOi k nOs aprOxima'xemOs..

    ByMe c'',) (A POrtista)

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  6. A "A Portista"

    Gostei da pequena provocação na tua resposta, mas em todo o caso convém esclarecer que eu não me ofereci para jantar em casa dela.

    Aproximar é um verbo muito forte. Eu normalmente aproximo-me de quem realmente gosto. Quando não é esse o caso não se pode falar duma aproximação, mas sim duma proximidade. Parecem iguais mas são palavras diferentes. Aproximação é um estado progressivo e permanente. Proximidade é um estado pontual e passageiro.

    Obrigado pelo elogio, e espero que continues a acompanhar o Blog.

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  7. Foi a primeira vez que vim a este blogue e já estou a adorar, fartei-me de rir .
    Parabêns.
    Vou voltar certamente a este blogue mais vezes.


    Ana(Alentejana)

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  8. Meu brother finalmete o meu 1º comentario no Blog.
    Epa por enquanto ainda nao vou dizer muito pois é o 1º post que tou a ler, mas ja fico satisfeito por uma coisa.
    O Grande taliban Martim ja chegou ao nivel de inteligencia do sub-monkey....muito fixe para uma criança de 5 anos vs um adulto de 33....Lolol...
    Aquele abraço.... Jamas....

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  9. A Ana (Alentejana)

    Espero poder continuar a contar com as visitas ao Blog e com os teus comentários naturalmente!

    Para o meu "broda" Jaime

    Ehpa acho que o Sub-monkey tinha sérias dificuldades para atingir o nível do meu sobrinho, que ainda não articula bem os movimentos, quanto mais o Martim que está quase a fazer 6! lol

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