domingo, 30 de maio de 2010

Check-in


O mês de Maio trouxe mais um fim-de-semana de trabalho.

O destino foram as planícies alentejanas, e na bagagem coloquei apenas aquilo que achei necessário para a minha curta estadia. Sem surpresas quando cheguei ao hotel constatei que afinal tinha trazido roupa a mais, e não cheguei sequer a desfazer metade da mala.

Quando viajo gosto de ir preparado para qualquer eventualidade: um par de ténis para não aparecer no jantar de botas, um ou dois pares de jeans suplementares, duas camisolas para noites mais frias, o impermeável quando os senhores do tempo dizem que vai chover, e pelo menos uma t-shirt de manga curta porque isso raramente acontece.

Também costumo levar uns anti-histamínicos não vá ser obrigado a dividir a cama com pequenas metrópoles de ácaros, o que no Évora Hotel é de todo inevitável uma vez que o soalho dos quartos está forrado a alcatifa. Parece que estou a vê-los aos saltos e a treparem pelas minhas pernas. Blherk..

Cheguei ao hotel faltavam poucos minutos para as 22h. Já com o voucher na mão e de mochila às costas aproximei-me das escadarias que dão acesso ao átrio. Pelo caminho ia trocando impressões com um colega em Lisboa, garantindo que tudo tinha corrido bem com o envio por satélite a partir da RTP Évora.

Nisto, apercebo-me dum ajuntamento invulgar de mulheres com gato no átrio, bem em frente à porta principal do hotel. Vim a saber poucos minutos mais tarde junto da recepção que tratava-se duma despedida de solteira. Medooooo..

De passo seguro avancei em direcção às escadas. Eis senão quando instala-se um inesperado frenesim:

Um homem! Um homem! Uuuuuh!

Bom, talvez esteja a exagerar um pouco, mas confesso que a risota colectiva causou-me alguma surpresa e desconforto. E nestas circunstâncias, o que fazer?

1. Avançar destemido em direcção ao grupo como se nada fosse.

2. Tentar não tropeçar nos degraus das escadas, enquanto avança destemido em direcção ao grupo como se nada fosse.

3. Fingir que se enganou no hotel e fazer o check in mais tarde.

4. Pedir o número de telemóvel a todas.

5. Sair-se com um espectacular: olá, acabei de chegar de Marte, quem quer subir até à minha nave espacial?

....

Bom, a resposta certa é: nenhuma destas opções.

Embora seja muito importante não tropeçar nas escadas, quando confrontado com uma situação de risota colectiva a primeira coisa que um homem com cão deve fazer, sempre e em qualquer circunstância é...

...

...

Verificar se tem os botões das calças desabotoados! Nem mais. E foi exactamente isso que eu fiz, mas de forma discreta como é óbvio.

As mulheres com gato não perdoam neste tipo de situações, e é sabido como o mais pequeno erro pode levar a um sem número de suposições, capazes de fazer cair por terra a mais fortificada auto-estima masculina:

Mulher com Gato 1: Olha-me este com os botões desabotoados!

Mulher com Gato 2: Que horroooor!

Mulher com Gato 3: Aposto que é dos que deixam o tampo da sanita levantado também!

Mulher com Gato 1: Tem quem o baixe por ele, de certeza.

Mulher com Gato 2: Deve ser a mãe. Tem aspecto de ainda viver com os pais.

Mulher com Gato 3: E é claramente a mãe quem escolhe a roupa. Já viram aquela camisa?

E é assim num ápice que a nossa vida começa a andar para trás sem que tenhamos sequer consciência disso.

Felizmente não foi este o caso. Estava tudo no lugar e os botões bem apertados. Afinal tratou-se apenas dum grupinho inocente de amigas que beberam demais ao jantar, e que estavam por ali no Évora Hotel, completamente sozinhas, durante tooodo o fim-de-semana, numa despedida de solteira. Situação perfeitamente inocente, portanto.

Os hoteis são férteis neste tipo de acontecimentos bizarros. Lembro-me duma ocasião em Castelo Branco ter passado uma noite inteira em claro, no pior hotel onde alguma vez fiquei hospedado. As paredes eram tão finas mas tão finas que o mesmo prego dava para pendurar dois quadros. Um de cada lado.

Azar dos azares, no quarto ao lado estava um casal maratonista, daqueles para quem o coelhinho da Duracell é um boneco giro e tal, mas as pilhas acabam sempre cedo demais.

A dada altura apeteceu-me bradar lá para o outro lado:

Olhe! Agora a senhora escusa de gritar a dizer que vai se vir porque já toda a gente neste piso sabe disso, ok?!

Nos hóteis tudo pode acontecer, e o mais engraçado é que normalmente o tudo acontece mesmo. É uma espécie de zona franca nas relações interpessoais.

Da mesma forma que as zonas francas procuram estimular as trocas de mercadorias livres de quaisquer taxas alfandegárias, nos hoteis estimula-se tudo o resto sem que se pague mais por isso. É como nas Caraíbas: todo incluido!

Aliás, numa altura em que se discutem com grande preocupação os sintomas suícidas da sociedade portuguesa, que está cada vez mais longe da taxa de natalidade da UE, pergunto-me, como é que ainda ninguém se lembrou de trancar os portugueses em hoteis durante umas semanas?!

Duma só vez resolviamos o problema na construção civil, porque teriamos forçosamente de construir mais hoteis para hospedar o país inteiro; acabavamos com o desemprego porque iriamos necessitar de muito mais mão-de-obra, e para isto não há kosovares e romenos que cheguem; daqui a 9 meses Portugal estava cheio de bébés; e com um pouco de sorte salvavamos a segurança social e retiravamos o país da crise. Tchanaaan!

Mas voltando à questão central, existe de facto uma certa moral permissiva quando estamos dentro dum hotel, e nesse sentido os padrões da moral tradicional têm tendência para serem frequentemente esquecidos. Se não na sua totalidade pelo menos em parte enquanto durar a estadia.

Nos hoteis essa moral permissiva sente-se pelos pequenos gestos que as mulheres com gato habitualmente não fazem no seu dia-a-dia.

No mini-mercado não dizem bom dia caso se cruzem com um qualquer homem com cão, mas isso acontece com frequência nos hoteis quando por exemplo esperamos pelo elevador, ou quando nos sentamos ao vosso lado nas cadeiras das piscinas.

Na fila das finanças dificilmente uma mulher com gato vai sorrir para quem estiver ao seu lado, mas no buffet ao jantar esse gesto sai com facilidade e elegância desconcertantes.

Nas minhas brincadeiras de miudo tinha sempre uma estratégia de recurso quando estava prestes a vergar-me à humilhação de perder um qualquer jogo entre amigos. Eu chamava-lhe o essa não valeu. Claro que depois teria de explicar porque razão não valeu, mas o jogo não podia acabar ensombrado pela dúvida. A jogada roçava a batota, mas como em tudo na vida a diferença entre a verdade e a mentira está no poder de argumentação.

Os hoteis fazem-me lembrar esses tempos:

Amiga 1: Querida, vou confidenciar-te uma coisa..

Amiga 2: Aii conta!
Amiga 1: Lembras-te daquele gajo podre de bom que conhecemos na piscina do hotel?

Amiga 2: Claro que me lembro. O Raaaaaul..

Amiga 1: Pois, o Raaaaaul..
Amiga 2: Aii, não me digas!

Amiga 1: Digo sim, e foi tão bommmm!

Amiga 2: Amiga fico tão contente por ti!

Amiga 1: Obrigado querida, mas estou a sentir-me tão mal agora..
Amiga 2: Oh querida, foi no hotel durante as nossas férias. Essa não valeu.

9 comentários:

  1. É sempre uma agradável surpresa constatar que publicaste mais um post. Confesso que as tuas histórias me transportam para um interessante mundo novo. Nunca tinha pensado nos hóteis desta perspectiva,mas admito que digo "olá" a quem partilha o elevador comigo. Na verdade, não percebo o que distingue o elevador do mini-mercado, mas que os elavadores têm essa capacidade de nos fazer soltar "olás", lá isso é verdade!
    Concordo que os hóteis sejam locais propícios a encontro fugazes, relações light e desejos puramente egoistas. E acho que esses momentos "valem" pelo menos nessa medida.
    De qualquer forma, apetece-me voltar uns "posts" atrás e juntar tudo: junta lá o "sítio do costume" (post de Fevereiro),a desinibição de um quarto de hotel (longe da rotina, dos problemas do trabalho, dos filhos) e, certamente, terminas o teu post na parte: "e foi tão bommmmm!"

    Ah, e na fila das finanças... nem o Patrick Dempsey conseguiria ganhar o meu sorriso!!!

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  2. Adorei este texto. Na verdade nunca tinha visto o hotel por essa óptica. Talvez também porque moro na provincia, e embora com fortes tendências para acabar as pessoas ainda cultivam as saudações entre elas.Blog muito interessante;)

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  3. Sofia: o prazer é meu em saber que continuas a acompanhar o blog do Homem com Cão, e a propósito do boato calunioso que anda pelo meu facebook lol gostaria de esclarecer que NÃO sou frio, e deixo a mesma apreciação ao critério das pessoas que já privaram comigo :)

    Milu: é sempre óptimo descobrir que tenho mais uma pessoa a acompanhar o meu blog. Espero que vás passando por aqui com frequência, e espero encontrar mais comentários teus também!

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  4. Peter gostaria de fazer o check in ctg num desses quartos de Hotel com ou seu ácaros :P

    Sininho

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  5. Anónimo: giro giro era o convite não ser anónimo, assim faz lembrar aquelas pessoas que agitam o braço no meio da multidão, e que na verdade só estão mesmo a agitar o braço no meio da multidão lol ;)

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  6. Confesso o titulo do post mete-me medooooooooooooo... A palavra "check in" é traumatica para mim especialmente nas ultimas semanas com os feriados e fim de semanas prolongados!!!!

    Vou recuperar do susto e logo cá volto para ler o post com mais atenção LOL.

    Pedro Gamito tu estás proibido de dizer " check in" no proximo seculo ou pelo menos enquanto eu nao mudar de emprego..

    Socorrooooooooooooooo

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  7. Como prometido, deixo a minha marca no teu Blog!
    Sabia que não me iria arrepender de visitar o mesmo, acabei de constactar que vale mesmo a pena segui-lo, entretanto já o adicionei aos mercadores nos favoritos para continuar a não perder pitada!

    A tua visão de tudo, o que deixas transparecer é simplesmente fantástico, consegui rir, imaginar, transportar-me até ao interior da tua história e claro, o teu português, o que eu adoro ler em bom português!

    Parabéns mais uma vez, ganhaste uma seguidora!

    Cumps
    Catarina Gonçalves

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  8. Eu confesso que os hotéis têm um efeito positivo em mim, talvez porque sejam sempre reflexo de férias, descanso, escapadas por isso nem penso nos ácaros, afinal se eu vou pk eles nao podem tb?!?!?!? Cabemos todos eheheheh

    Analisei as minhas várias visitas hoteleiras e é verdade, sai-me olás pela boca fora e mais... eu ainda vou mais longe e quando os hotéis são fora de Portugal ainda faço "amizades" e no final combina-se jantares que nunca vão acontecer.

    Beijinhos do norte

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  9. Hello Peter, venho atrás de um amigo que te segue e qual não é o meu espanto que encontro outro amigo...

    adorei, tenho que vir aqui com calma, porque escreveres bem eu já tenho conhecimento .. agora só me falta saborear como deve de ser ;P

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