Quem como
eu viveu a adolescência em finais dos anos 80 princípio dos anos 90, pode hoje
orgulhar-se de ter vivido porventura a melhor década dos últimos 40 anos.
Foi a madrugada da revolução tecnológica que mudou o mundo e quem a viveu fê-lo na primeira pessoa.
Foi a madrugada da revolução tecnológica que mudou o mundo e quem a viveu fê-lo na primeira pessoa.
Claro está
que viver sem internet, sem televisão por cabo, sem telemóveis e sem facebook é
hoje em dia uma perfeita agonia, mas era assim que se vivia em Portugal há 22
anos atrás, e eramos felizes.
Na altura e
com 16 anos de idade, a minha preocupação não era anunciar ao mundo que estava in a relation com uma pessoa diferente
todos os meses, ou desarranjado dos intestinos, por exemplo (um tipo de
acontecimento social que se repete ocasionalmente no facebook, e que se calhar
até merecia um evento).
Não. Entre outras, uma das minhas grandes preocupações era por exemplo garantir
que o Clearasil não acabava lá em casa. Isso sim era importante.
Até porque
no meu entendimento só existiam duas coisas que podiam ajudar-me a deixar duma
vez por todas a minha imberbe adolescência, e tornar-me finalmente num Homem
com “H” maiúsculo… (o mesmo é dizer ter sexo pela primeira vez): o Clearasil e
a Samantha Fox.
Não é que a
Samantha estivesse ali à mão, mas aquela loira - há que dizê-lo com
frontalidade -, mesmo sem saber fez muito por mim e por toda uma geração de nerds da bombazina:
this is the night, this is the night, this is the time, we’ve got to
get it right.
C’a bom.
Infelizmente
eu e a Samantha Fox nunca got it right.
A loira que devia ter o mesmo hair-dresser
que os Europe desapareceu depois de lançar o single “touch me”, e pese embora aquele
ar de comilona insaciável tenha ajudado a preencher muitas noites de prazer
solitário, foi no Clearasil que depositei as maiores esperanças.
Em stick,
claramente mais eficaz na luta contra as borbulhas e o acne rebelde.
Aliás, eu
usei tanto Clearasil na primeira metade dos anos 90 que 20 anos depois ainda
apareceram resíduos numas análises que fiz ao sangue.
No capítulo
da cosmética e bem-estar os anos 80 terminaram com alguns produtos lendeários.
Leram bem. Estou a referir-me ao Quitoso, magnífico repelente de piolhos e lêndeas.
No entanto outros havia que não sendo na sua essência produtos antiparasitários,
surpreendentemente também matavam piolhos e lêndeas, fosse por asfixia ou por
envenenamento.
Quem não se
lembra por exemplo do Brut ou do Drakkar Noir, essências míticas que serviram
de inspiração a outros produtos similares como o Raid, o Dumdum ou o mesmo o Baygon.
Lembro-me duma
vez em que num acto próprio de alguém que está desesperado, cheguei a tomar literalmente banho em Brut, mas
infelizmente a marinada acabou por surtir o mesmo efeito nas mulheres com gato que
o Baygon provoca nos bichos voadores lá de casa. Mata-os bem mortos.
Não, isto assim não vai lá, pensei
eu.
Brut e
Drakkar Noir foram grandes no seu tempo, mas nunca chegaram ao patamar de
semi-Deus ao qual foi elevada “A” essência que simbolizava o homem ideal no
ocaso dos anos 80: sim, estou a falar do Old Spice.
Ehpa lembro-me
de ver o anúncio do After Shave Lotion pela primeira vez e a reacção foi mais
ou menos esta:
Aahhh… Este tipo deve ter sexo com muitas mulheres, aí
umas duas ou três à vontade.
Duas ou
três por ano, convém dizê-lo. Naquela altura não me passava pela cabeça ser
possível ter sexo com duas ou três mulheres ao mesmo tempo.
O certo é
que cada vez que via o surfista do Old Spice sair dum tubo perfeito em slow
motion, acompanhado pela Carmina Burana de Carl Orff, até me arrepiavam os
pêlos dos braços perante a perspectiva de começarem a cair aos meus pés
mulheres em barda como cachos de bananas. E eu que adoro bananas.
Na altura
tinha a ideia de que o Old Spice era de tal forma fulminante com o sexo oposto,
que o simples gesto de passar com um daqueles frasquinhos por uma caixa do Pão
de Açucar, era quanto baste para que a rapariga da caixa pensasse: meu grande sacanita vais ter sexo com alguém
e não é comigo.
Só havia um
problema. Naquela altura não tinha barba, mas não seria esse pequeno pormenor que
iria impedir que finalmente triunfasse entre as mulheres com gato, qual
toureiro aclamado pela multidão no final duma bela faena. E eu bem que estava
necessitado duma boa faena nessa altura.
Infelizmente
só usei Old Spice uma vez e da mesma forma que o anúncio ilustrava, banhando a
face abundantemente após aparar os pêlos ralos do meu projecto de barba.
Da minha
experiência com o perfume guardo algumas recordações como o ardor atroz
que senti poucos segundos depois de ter mergulhado as borbulhas no bálsamo, ou
mesmo o vermelhão persistente que durante alguns dias foi confundido com uma doença
de pele, e à custa disto a minha virgindade continuou sem fim à vista, como um barco ferido de morte à deriva no mar.
Como disse,
só experimentei a essência do homem uma vez, mas o mesmo frasco de Old Spice
foi-me bastante útil quando 11 anos mais tarde usei-o como moeda de troca por
uma caixa de charutos Romeu & Julieta, em Cuba.
O sentido
da vida é por vezes misterioso.
Do Old
Spice até aos dias de hoje muita coisa aconteceu. Eu cresci, eventualmente
comecei a namorar, mais tarde casei com a minha primeira namorada, tive um
filho, fui muito feliz, depois um pouco menos, e depois divorciei-me. É o
percurso.
Pelo meio
também caíram o muro de Berlim, as duas torres do World Trade Centre, e alguém
se lembrou de meter queijo fundido no rebordo das pizzas, os 3 factos
históricos que gostaria de realçar entre 89 e 2012.
Hoje em dia
o Old Spice continua à venda nos escaparates de algumas superfícies comerciais
(vi há dias um stick vermelho chamado Kilimanjaro), mas a verdade é que a “marca
do homem” há muito foi relegada para 2º plano, não resistindo à impiedosa
marcha do tempo que trouxe ao mundo da higiene pessoal masculina desodorizantes
com aloé vera, pepino, coco, kiwi, papaia, e toda uma panóplia de legumes e
frutas tropicais que nunca pensamos sequer comer com regularidade, quanto mais
usar debaixo dos braços durante 16 horas.
Penso cá
para mim, o que diria o surfista viril dos anos 80 quando confrontado com uma
delicada essência bloqueadora de maus odores, à base de aloé vera e abacate, promovida
na tv não com a galopante cantata de Carl Orff, mas com uma melodia suave e
harmoniosa, que parece ter saído da banda sonora do Rei Leão?
Cambada de mariconços besuntados em cremes sem álcool, com
proderma, extra-hidratantes, à base de abacate e frutas exóticas pah!
No mínimo
seria uma coisa assim.
Porém nem
tudo é mau. Os homens com cão dos tempos modernos podem gabar-se de terem hoje
à sua disposição o primeiro desodorizante que assumidamente pela própria marca,
provoca nas mulheres com gato um desejo incontrolável de ter sexo com o primeiro
gaijo que encontram na rua. E é tudo legal. É o Efeito Axe!
Caramba.
Isto teria sido espectacular e dava um enorme jeito sim mas lá atrás nos anos
80, quando eu era um alegre otário de aparelho nos dentes.
Mas não era um aparelho qualquer. Era um daqueles à moda antiga que pareciam
ter sido construídos com o ferro que sobrou da ponte 25 de Abril.
Para
completar o ramalhete cabelo sem gel impossível de pentear, óculos com lentes que
não sendo nem totalmente transparentes nem totalmente escuras faziam de mim uma
espécie rara de cromo que calçava sapatos de camurça com berloques, vestia calças
de bombazina impecavelmente vincadas, e camisas xadrez abotoadas até ao
pescoço.
Muito obrigado
mãe por esta forma de vestir que só foi moda entre os lenhadores no Quebec, e
mesmo assim não sei.
Sacar uma miuda
neste aparato e com a cara cheia de borbulhas, isso sim seria um verdadeiro
teste aos efeitos do desodorizante que alegadamente anda por aí a espalhar o
caos e faz cair do céu anjas prontinhas para a salganhada.
Sejamos
francos, naquelas condições em que me apresentava se alguma mulher com gato
sentisse uma vontade incontrolável de ter sexo comigo só poderia ser:
1. um
desequilíbrio hormonal e eu ia a passar.
2. obra de
intervenção divina.
3. uma
tentativa desesperada de manter viva a espécie Humana entretanto dizimada após
um ataque global duma raça alienígena hostil armada com pistolas de raios.
Das 3
hipóteses a única viável seria um desequilíbrio hormonal, isto porque tanto
quanto sei nos últimos 22 anos as probabilidades de Deus descer à terra foram
quase tão remotas como acontecer um desembarque de extraterrestres em Cacilhas.
E em
Cacilhas porquê? Porque depois iam de cacilheiro até ao Terreiro do Paço e
tomavam Lisboa de assalto, isto claro está se a Transtejo não estivesse em
greve nesse dia. Caso contrário adiava-se a invasão.
Nessa
altura - nos anos áureos em que eu era um cromo de colecção - o Efeito Axe teria
sido útil sim, no entanto passados todos estes anos dei por mim a olhar para
uma lata de Axe Anarchy e a pensar: ehpa,
será que isto resulta mesmo?
E a
resposta é: não. E porquê?
Hoje, ao
contrário do que acontecia há 22 ou 23 anos atrás, até um coxo consegue sacar
uma miúda em plena meia-maratona de Lisboa.
Coxo: então
o que achas? Sou ou não sou igualzinho às fotos??
Miúda: és
mais ou menos.. Mas tens uma forma estranha de correr…
A internet
e as redes sociais mudaram completamente o ângulo da questão. Nos dias de hoje
a dificuldade já não tem muito a ver com o sacar,
mas sim com o manter. Manter a pessoa
próxima, manter a pessoa interessada. Manter o relacionamento no fundo.
Ora, manter
ou fixar é exactamente o que diferencia um bom perfume dum desodorizante de
supermercado. Por muito interessante que seja a essência num primeiro contacto,
o poder fixante dum Axe nunca será igual a um qualquer perfume para homem de
Jean Paul Gaultier, Carolina Herrera ou Tom Ford (só para dar alguns exemplos
de perfumes que gosto, e isto nada tem a ver com o facto do meu aniversário estar
cada vez mais próximo…).
Posto tudo
isto, e depois de tantos relacionamentos – perdi a conta -, vejo com alguma
preocupação a possibilidade de passar a ser confundido com lata de AXE, num
qualquer escaparate dum supermercado.
Mulher com
Gato às Compras 1: Olha que frasquinho tão giro!
Mulher com
Gato às Compras 2: Gosto da embalagem.
Mulher com
Gato às Compras 1: Já viste, dá até vontade de apertar.
Mulher com
Gato às Compras 2: Aperta lá que não está ninguém a ver!
(pffffffft….)
Mulher com
Gato às Compras 2: Uuuh.. Aiii que cheirinho tão bom…
Mulher com
Gato às Compras 1: Realmente.. Olha e aquele teu amigo como está?
Mulher com
Gato às Compras 2: Qual querida? Cheira mesmo a gajo (risos).
Mulher com
gato às Compras 1: O professor de natação…
Mulher com
Gato às Compras 2: Ai nem me fales, cheira tão bem aquele homem!
Mulher com
Gato às Compras 1: Olha vamos ali que eu preciso de queijo.
(E a lata
fica mais uma vez no expositor à espera de nova borrifadela…)
Alguém me
diga se existir um Efeito Axe, mas ao contrário por favor.