quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Kiss Me

Não aguento mais. Nos os dois sabemos que mais tarde vamos beijar-nos à porta da tua casa. Para quê ficar a sofrer a angústia do momento do beijo se podemos despachar isto já, e desfrutar duma noite agradável?

A frase pertence a Alvy Singer, personagem incontornável da comédia romântica Annie Hall, a primeira obra-prima de Woody Allen, e que mereceu ao sarcástico realizador nova-iorquino 4 óscares da academia de Hollywood, em 1977.

No filme Woody Allen é Alvy Singer, um humorista neurótico que tenta manter uma relação com Annie Hall, personagem interpretada por Diane Keaton, à data namorada do realizador norte-americano, e cujo verdadeiro nome é Diane Hall, Annie para os amigos.

E apesar de Woody Allen nunca ter assumido o carácter auto-biográfico do filme, foi a similaridade da ficção com a realidade que fez deste filme o mais consensualmente aclamado entre a longa filmografia do realizador.

Annie Hall termina com Alvy Singer a meditar sobre a importância do amor, e da natureza complexa e dolorosa das relações tão necessárias à nossa felicidade. Ou seja.. 32 anos depois nada mudou nas relações modernas entre os homens com cão e as mulheres com gato(!).

Esta é a primeira conclusão. A segunda prende-se com a importância que o beijo assume no sucesso, ou no fiasco total da relação antes mesmo de ela acontecer. Partindo do princípio que a ideia foi perfeitamente assimilada pelas mulheres com gato, para os homens com cão com maiores dificuldades em processar a informação, o beijo faz a diferença entre marcar o golo da vitória no último minuto da final da Liga dos Campeões – vamos manter a linguagem acessível a toda a gente -, ou ir para casa ver o jogo num canal codificado. E não, não estou a falar da Sporttv.

Sabendo disto e da sua incapacidade em lidar com a pressão do 1º beijo, Woody Allen inventou Alvy Singer, um alter-ego capaz de desconstruir a ansiedade desse momento decisivo duma forma pragmática, sedutora, e harmoniosa.
No filme Allen recebe um beijo apaixonado de Diane Keaton, e os dois acabam por ceder à paixão e ao romance. Que bonitooo… Quase nos esquecemos que segundos antes do beijo Woody Allen disse qualquer coisa como vamos lá despachar isto…

Nem a propósito. Como estamos na altura das profecias do novo ano, não é preciso ser o Prof. Karamba para adivinhar o que vai acontecer a seguir se você arriscar um vamos lá despachar isto. Não está a ver? Então experimente e uns dias depois ligue a ver o que acontece. Eu não sou o Prof. Karamba mas arrisco uma previsão: a voz que vai ouvir é a operadora e diz, o número que marcou não se encontra atribuído.. o número que marcou..

Mas o que tem afinal o primeiro beijo de tão especial para fazer tanta diferença em tão pouco espaço de tempo?



Eu sei a resposta, estava só a criar ambiente.

Os primeiros relatos de beijos datam de 2.500 a.C., e aconteceram na Índia, apesar de sabermos hoje que os homens das cavernas também beijavam, mas para procurarem sal no suor, ou para alimentarem os recém-nascidos.

Homem das Cavernas 1: (nhaac.. chomp.. nhaac..) Atão o teu entrecosto está bom de sal?

Homem das Cavernas 2: (chomp.. chomp..) está um bocado para o ensonso, passa aí o teu braço!

Blheerk..

Gregos e romanos por exemplo faziam-no com especial alarde sempre que os seus regressavam dos combates pelo próprio pé, numa prática que pretendia reconhecer a bravura do guerreiro, mas que redundou em algumas piadas de mau gosto quando dois fulanos de 120 kgs trocavam uma carícia em público. Os fofinhoooos…

Os romanos foram os grandes responsáveis pela generalização da prática beijoqueira ao Ocidente, e tinham na altura 3 tipos de beijos: o basium entre conhecidos, o osculum entre amigos, e o suavium entre amantes. Humm.. Chego à conclusão de que devo ter tido um tio-avô romano qualquer, ou não fosse eu um português (muito) suavium.

A verdade é que o beijo certo no momento certo faz ruir qualquer defesa, mesmo nas mulheres com gato que no primeiro “olá boa noite” já nos mostraram que pela frente temos o tanque das piranhas, o fosso dos crocodilos, e o campo minado à volta das muralhas do castelo, antes da ida ao circo com o sobrinho, o almoço com a família, e a habitual prova de fogo à nossa paciência: uma ida ao shopping para ver montras em vésperas de natal.

Mas o inverso também pode acontecer, e num segundo apenas todas as expectativas entretanto criadas podem ruir como um castelo de cartas. Se até ali estavamos na categoria dos giros com muito interesse, depois dum beijo sem chama passamos imediatamente para o grupo dos chatinhos que não param de enviar mensagens.
Momento de reflexão: se por acaso aquela mulher com gato não responde às suas mensagens há 3 ou 4 dias, provavelmente é porque beijá-lo a si foi uma experiência tão agradável como lamber um soalho em corticite. Wake up!

O beijo não é só um momento, é o momento, e para as mulheres com gato é muito mais que isso, é também um infalível e poderoso mecanismo de avaliação.

De acordo com a antropóloga norte-americana Helen Fisher, quando beijamos activamos o cérebro e permitimos o acesso a 3 sistemas cerebrais primários que determinam a conduta sexual, a capacidade de amar e o afecto. Ou seja, num segundo a astuta mulher com gato consegue perceber se queremos dar uma queca, se estamos apaixonados ou carentes. Qual delas a pior!
Já no nosso caso a única preocupação dos homens com cão é tentar perceber em que momento do beijo podem meter a mão no rabo dela. Complicar para quê?!

Independentemente da natureza do beijo, sexual, romântica ou carente, o homem com cão não consegue contrariar a sua natureza. A saliva contém fortes quantidades de testosterona, uma hormona capaz de despertar o apetite sexual das mulheres com gato, e é por essa razão que nós gostamos de beijos com muita saliva. Até podemos estar apaixonados e tal, mas queremos mesmo é chegar lá! Ah pois é!

Porém, na prática as coisas não são assim tão simples.

Cada um de nós recebeu à nascença um kit personalizado de neurotransmissores. Encontrar um beijo perfeito não depende tanto da imagem que criamos para nós da pessoa perfeita, mas sim da compatibilidade hormonal.

A dopamina por exemplo está associada a pessoas criativas e dispostas a procurar paixões avassaladoras. Do lado oposto está a serotonina, a hormona dominante em relações conservadoras. Por sua vez pessoas analíticas, excessivamente lógicas e que gostam de jogar soduku, sentem-se mais atraídas pelo estrogénio, abundante em pessoas muito imaginativas e que nunca conseguiram terminar o cubo mágico sem decalcar os autocolantes, como é o meu caso.

Claro que no meio dum beijo ninguém vai dizer um disparate como adoro o teu estrogénio, ou dá-me com a tua dopamina toda, mas enquanto estamos entretidos a brincar com a língua o nosso cérebro está a estabelecer contacto, e segundos depois chegam os sinais que determinam no fundo o sucesso ou o fracasso do beijo.
Alvy Singer, o humorista neurótico que Woody Allen interpretou em Annie Hall, ultrapassa esta questão com o genial sarcasmo que só um personagem de Woody Allen consegue encarnar, mas convém não esquecer que nos beijos como na vida não há uma segunda oportunidade para causar uma boa primeira impressão.